Me lembro quando tive o primeiro namorado - que
era para casar. Achei que em cima dos meus 26 anos
já estava velha demais para me aventurar pelo
mundo e o melhor seria casar, formar uma familia e
ser uma mulher séria - seja lá o que isso
signifique!
Meu noivo era um sujeito da região de Ribeirão
Preto, fazendeiro, trabalhador, sem formação
universitária mas, segundo ele mesmo, um cara top
de familia tradicional paulistana - que como toda
familia - com uma ala pobre e uma ala rica.
Familia tradicional; não há nada mais cafona que
essa expressão.
Toda familia é tradicional.
Mas percebi, que para ele, não.
Ele gostava de dar um diferênciamento, repetia o
sobrenome com orgulho, dizendo alto: Chiquinho dos
Santos Aparecido da Silva! - como se fosse o
condeEu da época do descobrimento.
Eu achava aquilo meio esquisito, mas não dava a
devida importância e nem tinha maturidade para
avaliar- o que seria hoje nas melhores rodas
intelectuais - desprezível.
Eu o esperava nos finais de semana.
Toda linda, cabelos e makes impecáveis e programa
para curtir o final de semana na São Paulo
desvairada.
Um sonho.
Eu o recebia com alegria - servia o Whisky - e o
tempo foi assim ando.
Não demorou muito, aquilo começou me encher de
melâncolia - porém a aceitação do nosso enlace
crescia junto à familia - que pertencia ao reduto
do famoso quatrocentão paulistano.
Mas eu sou uma pessoa que confronto muito
cruamente com minha realidade.
Aos poucos, comecei a me cansar de me arrumar,
começou a falta de tempo e dinheiro para
cabelereiros, makes e roupas novas.
Eu estudava, tinha que entregar trabalhos gigantes
para ar de semestre na faculdade e o noivado
começou a me sobrecarregar - além de algumas
observações do gajo.
Hoje te busco depois de encontrar meus
amigos no Pandoro.
Também quero ir com voce ao Pandoro! Disse
feliz.
Não. Lá só tem mulher atrás de homem!
respondeu convicto.
Que frase!
Eu não sabia na época, mas todas as moléculas da
minha constituiçao, o sabiam: Eu jamais me casaria
com um homem que se expressa dessa forma, de jeito
nenhum, com certeza absoluta!
Esse tipo de sujeito, com essa fala, Nunca seria o
pai dos meus filhos!
Por outro lado, me agradava as conversas a beira
da lareira, olhando o fogo na sala da tia dele, no
coração do jardim Europa, em São Paulo.
Com ela aprendi sobre os adoradores do fogo - e
quase me casei com ele, por causa da tia, achando
que ele também vinha de uma linhagem tão
sofisticada.
Era um bom rapaz.
Eu é que não era para ele.
Tirando a adoração ao fogo, a vida de noivos foi
me levando à beira da loucura e piorou muito
quando fomos a um jantar, em que ele falou sobre
uma vaca leiteira durante o tempo todo, desprezou
a sobremesa delicada com peras ao vinho, indagando
se aquilo era uma torta da Brunella, e reinou
soberano, num converseiro sem fim, sobre vacas e
estatísticas feitas por ele mesmo.
Senti que as coisas estavam por um fio e quando
fomos dançar, depois do fatídico jantar, esse
noivo pisou no meu pé e eu senti uma vontade
enorme de gritar em seu ouvido com todos os meus
dois pulmões:
Não pise no meu pé!
Não durou muito e tudo foi por agua abaixo.
A culpa foi minha; disseram todos.
Perder um homem desses.
Essa menina está esperando o príncipe encantado!
Sentenciaram.
#Cavalheire-se!
Ana Cavalheiro
Arquiteta. Cronista. Mulher.
Vila São Pedro - Ms Brasil
Grevenstein - Alemanha
Dicionário:
Märchenprinz: Príncipe encantado, em alemão.
Brunella: Antiga doceria na rua Gabriel Monteiro e ponto de encontro da moçada abastada de Sampa.
Gajo: rapaz, em português de Portugal.
Chiquinho dos Santos Aparecido da Silva: Nome fictício.
Conde d’Eu: Membro da Casa de Orléans. Comandante e chefe do exército imperial na guerra do Paraguai e esposo da Princesa Isabel, herdeira do trono brasileiro.
Noivo Top: Prepotência adolescente, pouco estudo e fazendas.
Pandoro: Restaurante Pandoro, na avenida Cidade Jardim. Atualmente fechado.